sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Branqueamento de capitais

Do que hoje aqui falamos é de um fenómeno relativamente novo mas sobre o qual é cada vez mais forte a ideia, e uma ideia que os factos confirmam, de que tem capacidade para corromper os equilíbrios económicos e sociais das comunidades.
Historicamente, na sua fase inicial, os mecanismos de luta contra o branqueamento de capitais não estão associados à criminalidade organizada nas suas diversas vertentes mas apenas naquilo que dizia respeito ao tráfico de estupefacientes.
A partir dos anos 70, o tráfico mundial passou a gerar e a movimentar massas monetárias de tal modo significativas que não podiam ser facilmente geridas e, muito menos, geridas com a discrição necessária a diluir a sua origem criminosa.
A Convenção das Nações Unidas contra o tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, adoptada em Viena, em 20 de Dezembro de 1988, é o primeiro instrumento internacional a abordar a questão do branqueamento.
Por sua vez, em Estrasburgo, em 8 de Novembro de 1990, o Conselho da Europa adopta uma Convenção sobre o branqueamento e a confiscação dos produtos dos crimes.
Em 1993, Portugal vai ao encontro destas preocupações criando legislação específica com o intuito de combater o branqueamento na área do tráfico de estupefacientes.
A evolução dos acontecimentos, com o reconhecimento de que o calcanhar de Aquiles das organizações criminosas reside na necessidade de fazer circular, de um modo oculto, os seus lucros, conduz à afirmação de que o combate ao branqueamento é um elemento primordial na prevenção e na investigação da actividade delituosa de tais organizações, seja qual for o tipo de ilícitos a que se dedique.
Em 17 de Junho de 1997, no âmbito da União Europeia, o Conselho aprovou um plano de acção de luta contra a criminalidade organizada em que se reconhece que este tipo de criminalidade investe num número crescente e diversificado de actividades ilícitas com um elevado potencial na obtenção de lucros.
Por outro lado, e esse é um aspecto que não pode deixar de ser considerado, o glamour, a insinuação social que envolve muitos dos agentes criminosos que desenvolvem estas actividades, tornam particularmente difíceis as investigações com as técnicas policiais clássicas.
Não podemos esquecer que é comum ao tráfico de estupefacientes, ao tráfico de armas, ao tráfico de seres humanos, à fraude fiscal, à corrupção, ao rapto, ou ao lenocínio.
Este pequeno trajecto histórico pretende apenas salientar a importância crescente do branqueamento num curto período de tempo e da importância crescente do combate ao branqueamento como determinante do combate a todos os outros crimes que lhe são periféricos.
E é neste curto período de tempo que também surge a percepção que o branqueamento não serve apenas para escamotear os lucros, pode também servir para financiar actividades ilícitas: o terrorismo é o paradigma.
Mas esta é matéria específica que, com certeza, valerá a pena apreciar num outro momento.
Em 2003, e à semelhança do que vai surgindo noutros países, é criada na Polícia Judiciária uma Unidade de Informação Financeira com competência para recolher, centralizar, tratar e difundir, a nível nacional, a informação respeitante à investigação dos crimes de branqueamento de capitais e dos crimes tributários graves, e, no plano internacional, com competência para a cooperação com as unidades de informação financeira ou estruturas congéneres.
Espera-se, também à semelhança do que acontece com as congéneres estrangeiras, que venha a ser adicionada ao acervo das competências descritas a respeitante ao financiamento do terrorismo, que ainda não se encontra vertida na lei mas é actualmente uma directiva internacional. (1)
Esta Unidade integra um Grupo Permanente de Ligação constituído por elementos da Direcção Geral dos Impostos e da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo.

O desempenho da Unidade de Informação Financeira foi avaliada internacionalmente, há pouco tempo, e o resultado considerado muito positivo.
Como a da Bélgica, a estrutura portuguesa apresentou índices de qualidade organizativa e funcional que tornaram desnecessários acompanhamentos posteriores de rectificação.
Vale a pena destacar que a integração na UIF, para além do branqueamento, da evasão fiscal, ao contrário do que acontece em muitos outros países, é um acréscimo muito positivo e considerada a sua relevância nas instâncias internacionais.
Para que uma Unidade de Informação Financeira possa atingir os seus objectivos, torna-se necessário que as instituições de crédito, as sociedades financeiras, as sociedades gestoras de fundos de pensões, as empresas seguradoras do ramo Vida, cumpram os procedimentos estabelecidos para prevenir a possibilidade de práticas de branqueamento.
Na 1ª Conferência Internacional sobre Crime Financeiro, realizada em Lyon, França, em Outubro de 2002, estabeleceu-se que a “a parceria entre as autoridades e os operadores financeiros é um elemento vital de uma prevenção estratégica global, mas tal parceria exige um contínuo e recíproco aprofundamento.”
É nesta linha de orientação que se realiza este encontro.
Acreditamos firmemente que o êxito do funcionamento de uma Unidade de Informação Financeira com as características daquela que existe em Portugal depende de uma estreita e leal cooperação das entidades financeiras.
Como acreditamos que a cooperação é útil a essas mesmas entidades, é factor da sua credibilidade institucional.
Não poderá esquecer-se que essa colaboração não pode afectar a confiança que as instituições financeiras devem aos seus clientes e que, por isso mesmo, nem sempre aquela é fácil.
Mas a existência de regras claras nos procedimentos e o seu cumprimento escrupuloso é o melhor caminho para que possa existir um adequado equilíbrio de interesses.
Ainda que não estando no âmbito deste encontro, gostaria de referir, ainda que brevemente, outros meios que permitem, de um modo fácil e quase oculto, proceder ao branqueamento de dinheiros de proveniência ilícita: os casinos, as lotarias e as transacções imobiliárias.
Não são mecanismos de fácil controlo.

A recolha e a gestão da informação na área do branqueamento não são uma retórica nem, muito menos, uma demagogia.
Precisamos de compreender que é uma ferramenta essencial à prevenção e que poderá dar um contributo decisivo à investigação.
Num momento em que tanto se fala, no âmbito da política criminal, nas prioridades dos fins, é importante também reflectir sobre as prioridades dos meios para atingir esses fins.


Partes de uma discursata feita há dois anos
(1) A questão foi ultrapassada com posterior legislação